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domingo, 16 de junho de 2013

ROMEU E JULIETA - Por Shakespeare


ROMEU E JULIETA 
Por Shakespeare 
 CENA: Jardim de Capuleto. 

                     ROMEU  (entrando) - Só se ri das feridas quem nunca sentiu as dores dos ferimentos. (Aparece Julieta à sua janela.) Mas...silêncio! Que luz será aquela que jorra através desta janela? Esta janela é o oriente; Julieta o sol. Ergue-te, oh astro de beleza, faze desaparecer a lua que tem inveja de ti! Vês como estás doente? como está pálida de pesar, porque tu, sendo quem a substituís, és mais bela do que ela? não a quereis substituir, já que tão invejosa é! As roupagens do vestal são macilentas e descoradas; Somente as imbecis as usam; deita-as fora. És a minha amada! És o meu amor! assim pudesses tu saber quem és! falas e nada dizes! quem me dera saber o que isto quer dizer! O teu olhar é que fala, vou responder-te. Sou ousado de mais; não é para mim que ela fala; duas das mais belas estrelas de todo o firmamento, quando são forçadas a retirar-se, suplicam aos olhos da minha amada que brilhem em vez delas nas esferas até que voltem.  E, se por acasa os teus seus olhos estivessem agora nessas esferas e as estrelas na sua fronte? Não,  o esplendor do seu rosto envergonharia as estrelas da mesma forma que um dia claro faria envergonhar uma lâmpada; se os seus olhos estivessem no céu, relampejaria nos ares tal claridade que as aves cantariam, cuidando que não havia noite. Oh! como ela encosta a face à sua mão. Quem me dera ser a luva onde a sua face se encosta.
                    JULIETA - Ai de mim!
                     ROMEU - Fala! oh! continua a falar, anjo resplandecente! Aí onde tu estás, por sobre a minha cabeça, pareces também um resplendor no meio desta noite, mensageira alada e celestial perante os olhares admiradores dos mortais! Quando se erguem para o céu tem de esconder a iris nas  pálpebras, tal é a altura e que devem dirigir-se para te contemplar, enquanto perpassa rápido por entre nuvens indolentes e navega no seio do firmamento...
                     JULIETA - Romeu! Romeu! Porque és tu Romeu? Renega o teu pai, muda de nome; se não queres fazer isto, jura amar-me e deixo eu de ser Capuleto. 
                      ROMEU - Deverei eu ouvir ainda ou dar-me a conhecer? 
                      JULIETA - Só o teu nome é que é meu inimigo. Apesar de tudo não és um Montecchio, és tu e só tu. E que vem a ser um Montecchio? nem a mão, nem o pé, nem o braço, nem rosto, nem qualquer outra parte de corpo humano. Oh! muda de nome! mas o que é que existe num nome? A flor a que chamamos roa, deixa de ter perfume se lhe dermos outro nome? Romeu, ainda mesmo que não se chamasse Romeu, nem por isso deixaria de ser tão perfeito como é. Renuncia a esse nome, Romeu, e em vez dele que não faz parte da tua existência, apodera-te de mim que sou tua. 
                      ROMEU - Aceito: chama-me unicamente teu amor, batizo-me de novo e de ora avante já não quero ser Romeu.
                      JULIETA - Quem és tu que, protegido pela noite, assim  vens surpreender os segredos da minha alma? 
                      ROMEU -  Não sei de que nome hei de servir-me para te dizer quem sou; o meu nome, ó minha santa querida, é-me tão odioso por ser teu inimigo  que se ele estivesse escrito num papel eu rasgava-o.
                      JULIETA - Apesar de serem bem poucas as palavras que tem ecoado nos meus ouvidos pronunciadas por esta vós, reconheço-a. Não és tu, Romeu de Montecchio? 
                      ROMEU - Nem Romeu, nem Montecchio, se qualquer desses nomes te desagrada. 
                      JULIETA - Como pudeste aqui vir, dize-mo? e para que vieste? Os muros deste jardim são altos e difíceis de escalar. este lugar será mortal para ti, se qualquer dos meus parentes der contigo. 
                      ROMEU - Transpus estas muralhas com as asas do amor que são leves, porque as barreiras de pedra não podem embarcar os voos do amor. O que é que o amor quer, que não consiga? os teus parentes podem lá servir-me de obstáculo? 
                      JULIETA - Se te virem, és morto. 

                      ROMEO - Ai! Julieta, há mais perigo nos teus olhos do que em vinte das suas espadas. Basta que desças um desses tenos olhares para mim, que eu fico bem escudado contra a sua inimizade.  
                      JULIETA - Por nada deste mundo desejaria que eles te vissem aqui. 
                      ROMEU - Agasalha-me o manto da noite, que me esconde da vista deles. Se me não amas, que me importa que me encontrem aqui? Antes queria que o seu ódio pusesse fim à minha vida, do que a morte tardar sem teu amor. 
                      JULIETA - Quem te ensinou este caminho? 
                      ROMEU - O amor excitou-me a descobri-lo; deu-me conselhos e eu emprestei-lhe os meus olhos. Eu não sou piloto, mas se tu estivesse afastada na mais longínqua praia do mar, eu aventurar-me-ia a ir ter contigo. 
                      JULIETA - A máscara da noite vela-me o rosto; se não fosse isso, nas minhas faces virginais verias o rubor que as palavras que eu ha pouco proferi, causaram. Bem queria eu guardar as conveniências; bem desejaria negar o que disse, mas, adeus, acabaram-se as cerimônias. Amas-me? sei que vais dizer que sim; ficas preso por essa palavra; contudo se juras podes tornar-te um perjuro. Dizem que Júpiter acha muita graça aos perjúrios dos amantes. Querido Romeu, se me amas, declara-mo lealmente; se pensas que fui fácil de conquistar, serei cruel, carregarei o meu sobrecenho, dir-te-ei não, para te dar ensejo a que me conquistes; doutro modo por nada deste mundo o farei. A verdade, belo Montecchio, é que estou muitíssimo apaixonada por ti; portanto podes julgar o meu comportamento leviano, mas acredita que mostro-me sincera, porque não sou como as outras que usam de artifícios para serem reservadas. É possível que fosse mais reservada, confesso-o, se, ha pouco, não tivesse surpreendido as expressões apaixonadas do meu sincero amor. Perdoa-me, não interpretes esta facilidade como leviandade deste amor, que esta tenebrosa noite assim te revelou. 
                      ROMEU - Senhora, juro-te por essa lua encantadora que lá em baixo toca com una das extremidades de prata o cimo daquelas árvores... 
                      JULIETA - Não jures pela lua, pela lua inconstante que  todos os dias muda de figura na sua órbita; tenho medo que o teu amor se mostre tão inconstante como ela. 
                      ROMEU - Pelo que jurarei eu, então? 
                      JULIETA - Não jures por nada deste mundo; mas se quiseres jurar, jura pela tua graciosa pessoa, divindade do meu coração idolatrada, porque eu creio em ti. 
                      ROMEU - Sê este bendito e querido amor do meu coração...
                      JULIETA - Basta, não jures. Ainda que a minha alegria de ti dimane  não posso nesta noite gozar  de todas as alegrias da nossa entrevista. É muito temerária, é muito precipitada,  é muito repentina. Parece-se com o relâmpago que desaparece antes mesmo que se possa dizer; como brilha! Terna e benfazeja noite! este botão de amor, prestes a desabrochar com o hálito quente do estio, talvez ainda o vejamos aberto em flor esplêndida no nosso próximo encontro. Boas noites! e que a paz e felicidade  tão meigas que enchem meu peito desçam ao teu coração. 
                     ROMEU - Oh! e vais me deixar assim sem me dizeres mais nada? !
                     JULIETA - Que mais queres que te diga? 
                     ROMEO - Jura amar-me como eu te amo. 
                     JULIETA - Dei-te o meu amor antes que tu o pedisses e assim eu pudesse ter deixado de to dar. 
                     ROMEU -  Por que? Querias retirar-mo? 
                     JULIETA - Não. Queria continuar a oferecer-to, mas o que eu desejo é a ventura que já tenho; a minha generosidade é tão limitada como é o mar, tão profunda como ele; quanto mais te amo tanto mais amor tenho para te dar, porque é infinito. (A ama chama de dentro). Ouço passos lá dentro. Adeus, meu querido amor! - Já lá vou, ama! Delicado Montecchio, sê fiel. Espera por mim somente alguns minutos; eu venho já. (Sai da janela).
                      ROMEU - Oh! noite venturosa! oh! noite feliz! Que medo tenho por ser de noite que tudo isto não passe dum sonho! Oh! como isto é delicioso para ser real...
                      JULIETA - (aparece na janela) - Três palavras, querido Romeu, por esta vez. Se o caráter do teu amor é o da honra, se tem por fim o casamento, manda pela pessoa que eu te enviar uma palavra que me indique onde e quando queres que a cerimônia se  efetue e eu deporei a teus pés todo o meu destino e seguir-te-ei através do mundo inteiro como meu senhor.
                      AMA (dentro) - Menina... 
                      JULIETA - Já lá vou. - mas se as tuas intenções são outras, imploro-te nesse caso que me não persigas mais e me deixes entregue à minha dor. Amanhã mandarei...
                      ROMEU -  Espero por isso como espero pela salvação da minha alma. 
                      JULIETA - Muito boa noite. (Sai da janela). 
                      ROMEU - Muito péssima noite, porque me falta a tua luz! O amor corre para o amor como os rapazes da escola deixam os livros; mas o amor deixa o amor, pelo contrário, como os rapazes vão para a escola com semblante aflito. 
                      JULIETA - (aparece à janela) - Romeu! oh! Romeu! Quem me dera ter a voz dum falcoeiro, para fazer voltar  para trás a este gentil fidalguinho. A escravidão tem a voz fraca, não pode falar alto; se não fosse isso acordaria Echo a dormir decerto na caverna, e a sua vós aérea tornar-se-ia mais rouca ainda que a minha, à força de repetir-me o nome do meu Romeu. 
                      ROMEU - É a minha alma quem pronuncia o meu nome! com que terno e argentino timbre ressoa a vós dos amantes durante a noite! Não há música mais sonora do que esta. 
                      JULIETA - Romeu...
                      ROMEU - Queridíssima...
                      JULIETA - A que hora te posso mandar procurar? 
                      ROMEU - Às nove horas. 
                      JULIETA - Não há de haver falta. Daqui até esse momento são vinte anos que passam! Já me esqueci porque te chamei. 
                      ROMEU - Permite que me demore aqui até que tu te recordes. 
                      JULIETA - Far-me-ei esquecida para te demorares, porque só me lembro do amor que tenho à tua companhia. 
                      ROMEU - E eu fico pata te fazer esquecer ainda que não tenho outra habitação do que este jardim. 
                      JULIETA - É quase madrugada; desejaria que tivesses partido, mas sem ser para muito longe, tal qual o passarinho que uma criança a brincar deixa voar um pouco para fora da mão - pobre prisioneiro envolto no laço -, mas prendendo-o com um fio de seda, tão carinhosamente ávida ela é da liberdade que lhe concede!
                      ROMEO - Era como esse passarinho que eu desejaria ser. 
                      JULIETA - Também eu; mas seria capaz de te matar à força de carinhos. Boas noites! Boas noites! A separação é uma dor tão silenciosa que eu direi boas noites, até amanhã. (Retira-se da Janela). 
                      ROMEU - Que um sono sossegado desça sobre teus olhos! que a paz acaricie teu seio! Quem me der ser esse sono e essa paz para gozar um tão terno descanso! Vou ter com o meu confessor para lhe pedir o seu auxílio e confiar-lhe a minha ventura. (Sai).    

SENA: A CELA DE FREI LOURENÇO 
Entram Frei Lourenço e Romeo 
                   FREI - Queira Deus que os sorrisos do céu baixem favoravelmente sobre este santo ato e que o futuro não traga desgostos de que haja arrependimento. 
                   ROMEU - Amem! Amem!, mas venham os desgostos que vierem, podem contrabalancear as alegrias que a vista da minha Julieta me dá dentro em breve? Unidas as  nossas mãos pelo santo sacramento, que venha a morte, assassina do amor, fazer o que ela quiser; já é bastante poder chamar-lhe minha.
                   FREI - Esses transportes violentos tem fins violentos; morrem no meio do seu triunfo como o fogo e a pólvora que se consomem logo que se beijam. O próprio mel, que é tão doce, enjoa por causa da sua doçura; faz perder o apetite por causa do seu sabor; amai-vos, mas com moderação; só assim é que o amor dura por muito tempo. Quem caminha a correr muito, chega tão tarde como quem caminha de vagar. Aí vem a vossa Julieta. Oh! com certeza não é com aquelas passadas que as pedras das calçadas  se gastarão. Um amante poderia talvez caminhar sobre teias de aranha, que a brisa do estio faz oscilar com vagar, e sem cair, tão leve é a vaidade! 
                    JULIETA (entrando) - Boas tardes, meu santo confessor. 
                    FREI - Romeu te agradecerá por mim e por ele, minha filha. 
                    JULIETA - E eu agradecerei por nós os dois, pois que sem isso os seus agradecimentos não seriam pagos. 
                     ROMEU - Ah! Julieta! se a tua alegria se medir pela minha, e se tens mais recursos do que eu para pintá-la, perfuma então com o teu hálito o ambiente que nos cerca e que a tua rica voz descreva a imagem da ventura que as nossas duas almas recebem nesta inolvidável entrevista. 
                     JULIETA - A alma é mais rica de sentimentos do que de palavras; tira o orgulho da sua essência, e não de vãos ornatos; os indigentes, esses, podem contar as ruas riquezas; mas o meu amor chegou a um tal excesso que eu não posso contar metade da soma das minhas. 
                     FREI - Vinde, vinde comigo; em breve podereis estar  sós, quando a santa Igreja vos abençoar e fizer de vós uma só e única pessoa. (saem).



CENA: QUARTO DE JULIETA
Entram Romeu e Julieta. 
                    JULIETA - Então queres já partir? Ainda é tão cedo! É o rouxinol e não a cotovia que te assustou; ele canta toda a noite acolá em baixo naquela romãzeira; podes crer que foi o rouxinol. 
                    ROMEU - Ola que foi a cotovia madrugadora e não o rouxinol; repara para aquelas listras de luz que para as bandas do oriente enlaçam as nuvens; os fachos da noite já estão gastos, agora é o dia que já pousa a ponta do seu pé na crista das montanhas brumosas. Ou tenho de partir e viver, ou ficar e morrer. 
                    JULIETA - Aquela luz lá ao fundo não é a luz do dia, eu bem o sei. É qualquer meteoro que o sol exala para te servir esta noite de luzeiro e alumiar-te o caminho de Mântua; não partas já, fica ainda mais um instante. 
                    ROMEU - Ou preso ou morto sou feliz, se tu assim o determinares. Direi de boa mente que o clarão pardacento que vejo lá ao fundo não é o olhar da madrugada, mas o pálido reflexo da fronte de Cynthia; direi que não é a cotovia que gorjeia aquelas notas agudas, que acoam na celeste abobada, que tão alta cobre as nossas cabeças; o meu desejo será ficar, sem vontade nenhuma de partir . Vem morte, sê bem-vinda! Julieta assim o deseja. Alma minha, que dizes tu? conversemos, não é dia ainda...
                    JULIETA - É, é! Parte, foge, foge depressa. É, sim, a cotovia que canta. Não ouves que notas discordantes e tão ásperas? Há quem diga que a cotovia canta muito bem; mas isto não é verdade, porque é ela quem nos separa; dizem outros que a cotovia e o feio sapo trocaram os seus olhos; antes trocassem a vós, porque o canto da cotovia  arranca-nos dos braços um do outro e expulsa-te daqui com os seus gorjeios, saudando o dia! Parte, parte já que a luz do dia cresce cada vez mais.
                    AMA (entrando) - Menina! 
                    JULIETA - Que é? 
                    AMA - A senhora sua mãe vai aí; já é dia. Tenha cautela, tenha cautela. (Sai).  
                    JULIETA - Oh! janela, deixa entrar o dia, para que saia a vida minha! 
                    ROMEU - Adeus! mais um beijo! Já desço. (Desce).
                    JULIETA - Então assim me deixas, meu senhor! meu amor! meu esposo, meu amigo! Preciso saber de ti todos os dias, a todas as horas, porque num minuto há muitos dias. Oh! nesse lapso de tempo já estarei velha, quando tornar a ver o meu Romeu! 
                    ROMEU - Adeus! não deixarei nunca de te mandar notícias minhas sempre que possa. 
                     JULIETA - Não nos tornaremos mais a ver? 
                     ROMEU  - Creio bem que sim, e todas estas desventuras hão-de servir de tema para as nossas conversas em dias melhores. 
                     JULIETA - meu deus! a minha alma está cheia de pressentimentos funestos! Estás-me a parecer tanto em baixo, que te vejo como um cadáver no  fundo duma tumba! Ou a minha vista me engana, ou tu estás tão pálido...
                     ROMEU - Também a mim me pareces pálida; é porque os desgostos bebem o nosso sangue. Adeus! Adeus!


                    BREVE BIOGRAFIA DE SHAKESPEARE
                    Guilherme Shakespeare, poeta e o maior dramaturgo inglês, nasceu em 23 de abril de 1564. Por volta do ano 1587 foi para Londres onde fez parte, como um dos principais atores da melhor companhia que ali havia. Em 1610 retirou-se do palco para ir viver em Stratford, onde  morreu a 23 de abril de 1616. Portanto, morreu no dia de seu aniversário, aos 52 anos. Em 1589, pouco mais ou menos, escreveu algumas comédias de colaboração, mas quatro anos depois começou a trabalhar só, refundindo as peças apenas com a parte que lhe pertencia. A sua primeira obra foi "Love's Labour Lost" (O trabalho do amor perdido), 1589, e a última "King Henry VIII", 1613. A lista intermediária é muito longa. Entre os seus poemas figuram: "Venus and Adonis"; "The Rape of Lucrece"(O rapto de Lucrécia); "A Lover's Complaint" (Queixa dum amante), e "Sonnetes". 
 Nicéas Romeo Zanchett


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