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quinta-feira, 14 de abril de 2011

O ESPÍRITO DE GOETHE - Por José Enrique Rodó

                   O ESPÍRITO DE GOETHE - Por José Enrique Rodó
O mais alto, perfeito e típico exemplar de vida progressiva, dirigida por um princípio  de renovação constante e de infatigável aprendizagem, que nos oferece nos tempos modernos a história natural dos espíritos, é, sem dúvida, o espírito de Goethe. Nenhuma  alma mais cheia de mudanças do que aquela, vasta como o mar e como o mar liberrima e incoercível;  nenhuma mais rica na multiplicidade das  suas formas; porém, esta perpétua agitação e diversidade, longe de ser movimento vão, uma dispersão estéril, é o hercúleo trabalho de engrandecimento e de perfeição de uma natureza dotada, em maior grau do que qualquer outra, da aptidão do cultivo próprio; é a obra fecunda, no empreendimento de erigir aquilo que ele chamou, numa magestosa imagem, "a pirâmide de sua existência".
Retocar os contornos de sua personalidade, à maneira do pintor insatisfeito que nunca logra acabar uma tela à sua vontade, ganhar a cada momento em extenção, em intensidade, em força e em harmonia, e para isto, vencer em cada dia um limite mais; verificar uma nova e instrutiva experiência; participar, já pela impressão direta, já por humana simpatia, de sentimento ignorado; penetrar uma idéia desconhecida ou enigmática, compreender um caráter diferente do seu: tal é a norma desta vida, que ascende, numa espiral gigantesca, até circunscrever o mais amplo e esplêndido horizonte que olhos humanos jamais descortinaram. Por isso, assim como a inação que enerva e paraliza, odeia a monotonia, a uniformidade, a repetição de si proprio, que são a forma como a inércia  se disfarça em ação. Para o seu grande e alto espírito a inconseqüência é um alto dom do homem, pois falta da inconseqüência daquele que se aperfeiçôa; e as contradições não implicam fraquesa desde que se deem naquele que se depura e retifica.
Tudo nele contribui para um processo de renovação incessante: inteligência, sentimento, vontade. A sua ânsia infinita de saber, difundida por tudo quanto a natureza e o espírito abarcam, leva sem descanso novos combustíveis à fogueira devoradora do seu pensamento; e cada forma de arte, cada modalidade da ciência em que põe as mãos, outorgam como arras dos seus amores, uma original formosura e a uma insuspeitada verdade. Incapaz de limitar-se a um sistema ou a uma escola, rebelde a toda a disciplina que trave o arranco espontâneo e sincero da reflexão, a sua filosofia é como a luz de cada aurora, coisa nova, porque nasce, não de um formalismo lógico, mas do seio vivo e fundente de uma alma. Tudo quanto para ele conduz, através do espaço e do tempo, o éco de uma grande aspiração humana, um credo de fé, um sonho de heroísmo ou de beleza, é íman do seu interesse e simpatia. E a este caráter dinâmico do seu pensamento corresponde na sua sensibilidade um idêntico atributo. Lança-se ávido  de combates e de gosos às realidades do mundo; quer ascender a experiência do seu coração até esgotar a taça da vida; perenemente ama, perenemente anela; cuida porém de dirigir os seus desejos e paixões de maneira que não o domine senão até ao instante em que possam cooperar na obra do seu aperfeiçoamento. Tampouco foi escravo de um afeto imutável como de uma idéia exclusiva.
Esgotada em sua alma a força vivificadora ou a balsâmica virtude deuma paixão; reduzida esta pela força de inércia ou por travos ingratos e doentios, apressa-se a reinvidicar a sua liberdade, e perpetuando em fórma de arte a memória do passado, acode por expontâneo arranco da vida ao reclamo de um novo amor. Sobre toda esta efervescência do seu mundo íntimo, se impõe sempre emancipada e potente, a força indomável da sua vontade.  Dilata-se, renova-se e reproduz-se na ação, não menos que nas idéias e nos afetos. A sua esperança é como o natural resplendor da sua energia. Nunca o amargo travo da derrota é para ele mais do que um estímulo para novas lutas; nem a falta de saúde, os desgostos, a glória de empalidece e fraqueja , resistem largamente às reações da sua vontade hgeróica. De braço dado com o tempo, para forçá-lo a dar-lhe capacidade para quantos propósitos acumula e forja, multiplica os anos pelo coeficiente da sua atividade sobre-humana. Não hána sua vida, sol que ilumine a imitação maquinal, um apago reflexo do que os outros acenderam. cada dia que passa é para ele uma renovação de originalidade. Cada dia, diverso: cada dia,mais amplo; cada dia, melhor, consagrado cadaum deles, como um Siypho da sua própria pessôa, a erguer outro Goethe das profundidades da sua alma; nuca cessa de atormentá-lo o pensamento de que deixará incompleta a concepção do seu destino: ambicionaria ver pelos olhos de todos, reproduzir em seu íntimo a infinita complexidade do drama humano, identificar-se com tudo quanto tem de ser, submergir-se nas próprias fontes da vida... Chega assim ao pináculo da sua gloriosa velhice, ainda mais fértil e fecundo que em seus verdes anos, e morre pedindo mais luz; e este sublime anelo é como o cunho da sua existência e do seu gênio, porque traduz, ao mesmo tempo, a ânsia do saber em que perseverou o seu espírito insaciável e a necessidade de expansão que estimulou a sua vontade imensa.
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José Enrique Rodó, escritor uruguaiano, nasceu em Montevideu em 1872. Catedrático de literatura na Universidade de Montevideu, politico, deputado em mais de uma legislatura, jornalista, presidente do "Círculo de la Prensa" em Montevideu, devem-se-lhe as seguintes obras: Ruben Dario; Ariel; Liberalismo e Jacobinismo; Notivos de Proteo, sua obra capital.
Nicéas Romeo Zanchett
http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/

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