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quinta-feira, 13 de junho de 2013

DOM QUIXOTE DE LA MANCHA



DOM QUIXOTE DE LA MANCHA 
                 Miguel de Cervantes Saavedra nasceu em Alcalá de Henares, Espanha, em 1547. Assentou praça e tomou parte em numerosos combates, entre os quais a célebre batalha de Lepanto. Capturado, mais tarde, pelos Turcos, foi escravo do Rei de Argélia durante cinco anos. Após sua libertação regressou à pátria e obteve um emprego público, onde se manteve por muito tempo, entre dificuldades financeiras e infinitas injustiças. Foi preso várias vezes, por acusações que sempre se revelaram infundadas, e foi atormentado, em quase toda a sua existência, por uma triste pobreza, que terminou somente com a sua morte ocorrida em Madri em 1616. Escreveu numerosos dramas e comédias em verso, como  "Pedro de Urdemalas" e "O Vigilante" além de algumas obras em prosa como "A Galateia" e "Novelas Exemplares". Mas sua obra máxima, aquela que fez dele o maior escritor espanhol de todos os tempos, e um dos maiores do mundo, é "El Ingenioso Hidalgo don Quijote de la Mancha", escrita entre 1600 e 1615. Um romance imenso , onde se movimenta e vive uma multidão de personagens, toda a Espanha maltrapilha e esplêndida do século XVII, um mundo brilhante e perfeito qual um poema de Homero. Dom Quixote, desventurado Cavaleiro do Ideal, o "Louco Sublime", como o denominou o nosso maravilhoso Olavo Bilac, representa o homem que não se rende nem se conforma ante a mísera realidade de seu tempo e que nunca se torna ridículo, nem mesmo  em suas mais desastradas aventuras, mas a sutil veia de humorismo que transparece em todo o livro é amarga e não alegra ninguém. Ainda hoje, após quatro séculos, a magra e triste figura de Dom Quixote, para nós, continua tão grande e viva como então. Símbolo eterno da loucura heroica, que a dura rispidez dos homens poderá achincalhar e fustigar, mas nunca eliminar. 
                   Num esquecido e sonolento povoado de Espanha, mais precisamente, na região da Mancha, vivia um proprietário de terras - um hidalgo, como o chamavam naquele país - chamado Dom Quixote. Sua existência transcorria serena, em companhia de uma sobrinha e de uma velha serva; tão tranquila e tão livre de qualquer preocupação, que ele passava a maior parte do tempo trancado em casa, imerso na leitura. Infelizmente, sua preferência era para o pior gênero literário que então se podia encontrar; ou seja, pelos livros de aventuras e cavalaria. E tão apaixonado estava por aquilo, que gastava  boa parte de suas rendas para adquirir tais livros e, o que é pior ainda, ia enchendo a cabeça com fantasmagorias, com grave prejuízo para o bom senso.  Até que, exaltado pelas proezas de Amadis e Gaula e de Tirante, o Branco, resolveu tornar-se cavaleiro errante e sair pelo mundo afora, em busca de glória, matando gigantes e conquistando impérios. Sem nada dizer a ninguém, ajustou e poliu velhas armaduras e armas que conservava no sótão, adaptando a um morrião (peça de armadura medieval) uma viseira de papelão; rebatizou o cavalo, um animal magro e cheio de achaques, com o belo e sonoro nome de Rocinante. Finalmente, considerando que seu sobrenome era demasiado prosaico e pacífico, resolveu chamar-se Dom Quixote de La Mancha.
                    Um cavaleiro que se respeite deve possuir uma dama que reine absoluta em seu coração, que lhe incuta ânimo para levar a termo as mais difíceis tarefas, que o faça delirar de amor, enfim, uma soberana espiritual a quem o herói possa oferecer os troféus de suas vitórias. Dom Quixote, após muito meditar sobre o essencialíssimo detalhe, resolveu eleger como senhora de seus sonhos, uma camponesa de rosto aprazível que vivia na vizinha aldeia de Toboso,  que subitamente viu seu nome plebeu, Aldonsa Cocuelo, transformado no suavíssimo Dulcineia. 

                 Concluído os preparativos, sempre sob o máximo sigilo, o nosso herói, num belo dia e antes do sol nascer, esgueirou-se por uma portinha lateral de seu jardim, armado e a cavalo, rumo ao seu extraordinário mundo de sonhos. Depois de um dia  de marcha pelos campos desertos, sob o ardor de um calor imenso, chegou a uma solitária estalagem, que ao seu cérebro conturbado surgiu qual um castelo de torrões. Os aldeões e os tropeiros, que ali estavam hospedados, ficaram espantados com o aspecto bizarro do novo hospede e ainda mais com o seu linguajar, todo repleto de reminiscências cavaleirescas. Julgaram-no doido - e não se enganavam - e divertiam-se a valer, ao receberem requintadas alocuções, como se fossem damas e fidalgos de alta estirpe. 
                 Enquanto marchava pelos campos, Dom Quixote lembrava-se de que ainda não tinha sido armado cavaleiro, por isso chamou de lado o castelão, isto é o estalajadeiro, e pediu-lhe que ele próprio providenciasse a investidura.  O sagaz hoteleiro, que compreendera com quem estava lidando, de bom grado prestou-lhe a brincadeira, pensando também em livrar-se o quanto antes daquele hóspede pouco desejável. A cerimônia ocorreu na cocheira à luz de velas, entre os olhares  admirados dos cavalos e os risos mal contidos das pessoas presentes. O único sério li era Dom Quixote que, compenetrado, ouvir com muita atenção as preces murmuradas pelo estalajadeiro, e recebeu de joelhos, o toque da espada no ombro esquerdo. 

Após a cerimônia, o estalajadeiro, com muito tato, perguntou-lhe se trazia dinheiro consigo. Com sua invejável candura, respondeu que jamais lera em livro algum que os cavaleiros errantes levassem dinheiro em suas jornadas. O estalajadeiro não se zangou e limitou-se a aconselhá-lo que, para o futuro, não saísse mais desprevenido, garantindo-lhe que todos os guerreiros costumavam ter uma bolsa bem recheada, pendurada na cela, e que se os livros não faziam referência  a isso, era porque se tratava de coisa pouco importante. 
                  No dia seguinte, quando Dom Quixote encontrava-se novamente cavalgando pelos prados, seus anseios de aventuras estavam mais sólidos do que nunca. E eis que, enquanto ruminava consigo mesmo inimagináveis triunfos, viu que vinha ao seu encontro uma comitiva de cavaleiros. Aquilo lhe parecia um bando de guerreiros sarracenos e, por isso, ficando ereto nos estribos, interpelou-os com violência: - Que ninguém se mova até que todos confessem que não existe dama mais formosa que a incomparável Dulcineia del Toboso! 
                  O estilo retumbante e empolgado era aquele dos livros de cavalaria, mas os cavaleiros limitaram-se a sorrir zombeteiramente diante da estranha figura do nosso herói, e prosseguiram seu caminho. Furioso, Dom Quixote atirou-se contra eles, de lança em riste, mas o pobre Rocinante, pouco habilitado ao golpe, tropeçou e tombou ao solo, juntamente com seu cavalo. 
Sem perda de tempo, um dos rapazes da comitiva foi para cima do desventurado cavaleiro e, partindo-lhe a lança em duas partes, surrou-o violentamente, deixando-o caído, todo dolorido e cheio de ferimentos. 

                  E assim, o pobre Dom Quixote, queixando-se debilmente, permaneceu ali sozinho e incapaz de montar novamente em seu cavalo. Felizmente para ele, passou por ali um camponês de sua aldeia, que o ajudou montar  e o reconduziu à casa, envergonhado e em péssimas condições físicas. 
                   Assim sendo, de maneira bastante sofrida para um cavaleiro andante, encerra-se a primeira incursão de Dom Quixote. Todavia, todo aquele sofrimento não foi suficiente para abater-lhe o ânimo; durante dois ou três dias ficou acamado e aproveitou para meditar sobre seu futuro e decidiu que era urgente contratar um escudeiro. Mal restabelecido da surra, foi procurar um camponês, seu conhecido, chamado Sancho Pança, que parecia corresponder ao que desejava. Falou longamente, em segredo, com o bom homem que era jovem e tão simples de alma como ele próprio. Diante de seus olhos espantados, contou-lhe todas suas miragens e fantásticas aventuras; até comprometeu-se a entregar-lhe o governo da primeira ilha que conquistassem. O bom Sancho acreditou que finalmente havia encontrado uma tarefa que estava de acordo com seus sonhos e concordou em partir imediatamente. 
                 Assim, numa bela manhã, não muito distante daquela tão famosa de sua primeira aventura, Dom Quixote retornou rumo aos campos, desta vez seguido de por Sancho, seu fiel escudeiro, montado num burrico. Após algumas horas de trote avistaram um grupo de moinhos de vento que, imóveis como torres, se destacavam na linha do horizonte.
                  - Veja, Sancho! -exclamou Dom Quixote, assim que os vislumbrou. - está vendo, lá no fundo, trinta imensuráveis gigantes que ousam atravessar-me o caminho? Ponha-se de lado e fique rezando, porque vou enfrentá-los e combate-los até ficarem prostrados ou acorrentados sob meu poder. 
                  Sancho estava vendo apenas moinhos e procurou convencê-lo disso, mas Dom Quixote já estava galopando distante, de cabeça baixa e lança em riste. Para sua infelicidade, justamente quando chegava junto ao primeiro moinho, este recebeu uma rajada de vento e começou a girar suas pás; a lança do cavaleiro errante enroscou-se numa delas de tal maneira que cavalo e cavaleiro foram erguidos ao ar e arremessados para bem longe. 
Vendo aquilo, Sancho imediatamente correu para junto de seu amo, ainda tonto pelo voo inesperado e respectiva queda; disse-lhe então que o havia prevenido  de que aquilo eram moinhos e não gigantes, mas o incorrigível Dom Quixote, com a voz fraquinha, respondeu-lhe que fora a perversidade e feitiçaria de seus inimigos que tinha feito aquela transformação; pois ele estava certo de que realmente eram gigantes de carne e osso. 
                  Como primeira aventura em companhia de seu fiel escudeiro, não estava nada mal, mas se tratava apenas do início de uma série de extraordinárias empreitadas. Para o bom Sancho Pança foi a primeira experiência, em que se encontrou em luta contra a desenfreada fantasia de seu senhor, que via monstros e guerreiros por toda parte, loucos infindos, sem o mínimo de respeito pela prosaica realidade. E todas as seguintes terminariam do mesmo modo: trambolhões e cacetadas, que cobriam de ferimentos os dois obstinados caçadores de glórias. O mesmo aconteceu quando Dom Quixote atacou um rebanho de carneiros, certo de que se tratava de um poderoso exército, no qual julgava reconhecer - e enumerava-os ao estarrecido Sancho - os maiores guerreiros. E nem melhor sucesso tiveram, quando o nosso impagável cavaleiro libertou um grupo de condenados, que eram conduzidos às galés. 
Dom quixote pretendia libertá-los e depois enviá-los todos como homenagem a Dulcineia,  mas estes responderam com vaias e pedradas. E assim ocorreu por inúmeras vezes. O tenaz otimismo dos dois parceiros, perdidos em seus sonhos cavaleirescos (embora sancho não estivesse muito convicto da magnitude de sua missão) esbarrava continuamente contra o estúpido bom-senso dos homens. Tal como os mágicos dedos do rei Midas, todas as coisas se transfiguravam, para Dom Quixote, e todos os fatos, mesmo os mais comuns e banais, assumiam proporções legendarias.  E não se diga que ele não via a realidade como era, nada disso! O que ele não se conformava era reduzí-la às suas justas proporções, à banal objetividade do mundo comum, pois desejava viver em seu maravilhoso universo cavaleiresco, qual uma criança que faz de um jardim uma floresta e de um pau uma reluzente espada. Quando ele arranca das mãos de um pobre barbeiro de província sua bacia nova de latão e a mete na cabeça, orgulhosamente declarando com ênfase, que se trata do elmo de Mambrino, admirado em todo o mundo, comporta-se exatamente como um menino que esteja brincando de guerra; quando salta de espada desembainhada, para o palco de teatrinho de fantoches, que representam uma comédia cavaleiresca, e arrasa com os bonecos, não é mais culpado do que um menino que pretende vera realidade em seu mundo de fantasia. 
                  De aventura em aventura, Dom Quixote e Sancho Pança, alegoria vida da heroica loucura e do calmo bom-senso, batiam as estradas da Espanha, já por todos conhecidos, ora injuriados e surrados pelos que apenas lhes mediam as proezas com o metro usual, ora bem recebidos por aqueles que as divertiam com seus extraordinários achados. 
                  Chegando à mansão de um rico e alegre fidalgo provinciano, que os conhecia pela fama, acreditaram ter, finalmente, encontrado o lugar sonhado. 
                O ápice da glória de Dom Quixote foi atingido quando ele, hospedado no castelo de um duque, que desejava divertir-se à custa de nosso herói, se viu tratado com um autêntico cavaleiro errante. A Sancho, o duque entregou o governo da ambicionada ilha que, na realidade, era uma aldeia de propriedade do senhor, uma ilha de terra firme (como foi  explicado a sancho ), e onde o bravo escudeiro experimentou, durante três dias, os aborrecimentos e as angústias do poder, perdendo duma vez por todas a gana de exercitá-lo.  Mas, no entanto, alguém se preocupava em reconduzir o desventurado Cavaleiro da Triste Figura para os trilhos do bom-senso; o curandeiro de sua aldeia, seu velho amigo, e um jovem bacharel chamado Sansão Carrasco. 
                 Um dia, passeando pelas praias  de Barcelona, Dom Quixote viu-se à frente de um guerreiro, todo encerrado em armadura, de viseira calada; era o Cavaleiro da Branca Lua - assim se apresentou o forasteiro -, que desafiava o nunca assaz louvado Cavaleiro dos Leões, para uma disputa mortal. O combate foi rápido: a lança do desconhecido, que a conservava inexplicavelmente levantada, bateu no elmo de Dom Quixote e derrubou-o. 
Com a ponta da espada apoiada à garganta do inimigo prostrado, o Cavaleiro da Branca Lua ditou suas condições: Dom Quixote deveria afastar-se por um ano de sua terra natal, sem tocar em armas nem preocupar-se  de maneira alguma com aventuras cavalheirescas. Depois disso o vencedor montou de novo a cavalo e retirou-se, sem mostrar o rosto,  que revelaria ao desventurado cavaleiro as muito conhecidas feições do bacharel Sansão Carrasco, o autor daquele simulado duelo. 
                   E, dessa maneira, triste e taciturno, Dom Quixote retornou aos seus sossegados campos, seguido por um escudeiro desiludido e ainda mais abatido que seu amo. A vida, para o grande Dom Quixote, voltou a ser o que era antes de sua furiosa febre cavaleiresca, ou seja, a vida plácida de um honesto fidalgo de província. Por pouco tempo, porém, pois sua última e dura experiência o deixara intimamente abalado, de tal forma que caiu gravemente enfermo. 
Talvez foi a febre ou até uma intervenção divina, mas surgiu o milagre que tantos não haviam conseguido realizar, embora muito sofressem com a estranha loucura do seu grande amigo. 
                  Numa certa manhã, Dom Quixote despertou com a mente lúcida e clara, percebeu seu demorado engano e teve pena de si mesmo. Não sobreviveu por muito tempo em sua nova condição de lucidez.  Era o fim; pouco depois, arrefecido o ardor cavaleiresco, ele expirou entre seus entes queridos; Entre eles estava Sancho Pança, que mais do que todos chorava inconsolavelmente. A morte encerrava para sempre, com um sereno epílogo, a aventura terrena do último cavaleiro errante. 
 .
Todos nós temos um pouco de Dom Quixote. As ilusões da vida nos levam a sonhar com o impossível, mas, muitas vezes, é uma feliz volta no tempo; quando, ainda crianças, brincávamos sem pensar nas consequências e nos riscos que a vida real nos reservava. 
Muitas vezes vivemos com medos imaginários e até vemos gigantes e guerreiros nos perseguindo. Estamos sempre à procura de glória e coisas impossíveis que nos trazem grandes sofrimentos e decepções.
Nicéas Romeo Zanchett

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