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segunda-feira, 1 de julho de 2013

O BARBA AZUL - de Carlos Perrault


O BARBA AZUL 
de Carlos Perrault 
De 
Contos de fadas 
                  Era uma vez um homem que tinha magníficas casas no campo e na cidade, baixelas de ouro e de prata, moveis de luxo e coches dourados; mas, por infelicidade, este  homem tinha a barba azul; isto tornava-o tão feio e tão terrível que não havia velha nem moça que não fugisse ao vê-lo. Uma das suas vizinhas, dama da alta roda, tinha duas filhas muito lindas. Barba-Azul pediu-lhe uma em casamento, deixando-lhe escolher a que quisesse dar. Nenhuma delas o queria e empurravam uma para a outra, não querendo aceitar por marido um homem de barba azul. O que ainda as desgostava mais era o fato dele ter desposado várias mulheres e não se sabe o que tinha feito delas. 
                   O Barba-Azul para travar conhecimento conduziu-as, com a mãe e três ou quatro das suas melhores amigas e algumas pessoas da vizinhança, a uma das suas casas de  campo, onde se demoraram oito dias inteiros. Eram passeios, caçadas e pescarias, danças, festins, refeições; não se dormia e passava-se a noite inteira jogando uns com os outros; finalmente, tudo corria tão bem que a mais moça começou a considerar que o dono da casa não tinha a barba tão azul como se julgava e que era um honrado homem. 
                    Quando regressou à cidade, o casamento realizou-se. Ao fim de um mês, Barba-Azul disse á mulher que era obrigado a fazer uma viagem de, pelo menos, seis semanas pela província, para resolver um negócio de muita importância; pediu-lhe que se divertisse à vontade na sua ausência, que fizesse visitas às suas boas amigas, que se quisesse as conduzisse ao campo, e que fosse para onde lhe aprouvesse.  
                     - Aqui estão as chaves dos dois grandes guarda-moveis, disse ele, eis a baixela de ouro e prata, que não serve para todos os dias; a chave da minhas caixas-fortes, onde está guardado o meu ouro e a minha prata, e também a do meu cofre, onde estão as pedrarias preciosas; e eis aqui também a chave que serve para todas as portas; esta chave mais pequena é a do gabinete  ao fim da grande galeria dos aposentos inferiores; abre tudo, mas proíbo-te que abras esta porta, porque chegares a entrar nesse quarto, ninguém te protegerá da minha cólera. 
                      Ela prometeu-lhe observar exatamente tudo quanto acabava de lhe ser ordenado, e ele, depois de a abraçar muito, entrou no seu coche e partiu para a sua viagem. As vizinhas e as suas boas amigas não esperaram que as mandasse buscar para irem à casa da recém-casa
da, tal era a impaciência em que estavam por irem ver as riquezas da sua casa, não tinham ousado ir na presença do marido por causa de sua barba-azul, que tanto terror lhes infundia. 
                     Ei-las, logo, percorrendo os quartos, os gabinete, os guarda-vestidos, tão belos uns como outros. Em seguida subiram ao guarda-moveis, onde não se cansavam de admirar a beleza e o número das tapeçarias, dos leitos, dos sofás, das jardineiras, das mesas e dos espelhos, em que a gente se via dos pés à cabeça e cujos ornatos, uns de cristal, outros de prata e ouro, eram os mais magnificentes que jamais se viram; não cessavam de exagerar e de invejar, a felicidade da sua amiga, que, no entanto, não se alegrava em ver todas essas riquezas pela impaciência em que estava de abrir a porta do quarto inferior. De tal maneira foi tomada da sua curiosidade que, sem pensar que passava por malcriada, por abandonar as visitas, desceu por uma escada falsa e com tanta precipitação  que, algumas vezes, julgou ter-se ferido. Ao chegar à porta do gabinete, parou um momento pensando na proibição que seu marido lhe fizera, considerando que podia acontecer-lhe alguma infelicidade por lhe ter desobedecido; mas a tentação era tão superior a ela, que não pode domá-la; pegou a chavinha e abriu; tremendo, a porta do gabinete. Primeiramente nada viu por estarem as janelas fechadas; depois de alguns momentos, começou a ver que o sobrado estava todo coberto de sangue coalhado, no qual se viam os corpos de muitas  mulheres mortas e prezas ao longo das paredes; eram todas as mulheres que Barba-Azul tinha desposado e que, depois, degolara uma após outra. Julgou morrer de terror; e a chave do gabinete, que acabava de tirar da fechadura, caiu-lhe das mãos. Depois de ter voltado a si da surpresa, pegou na chave, fechou a porta e subiu ao quarto para refazer-se, mas não pode conseguir, tão comovida estava. Tendo notado que a chave do gabinete estava manchada, limpou-a duas ou três vezes, mas o sangue não desaparecia; fartou-se a lavar e mesmo de a esfregar com areia e grés e ficava sempre com sangue, porque a chave era fadada e não havia meio de a limpar logo; quando se tirava o sangue de um lado, aparecia do outro. Barba-Azul voltou nessa mesma tarde da sua viagem e disse que tinha recebido cartas no caminho, em que lhe diziam que o negócio, para o qual partira, tinha terminado com vantagem sua. Sua mulher fez tudo o que pode para demonstrar que estava feliz pelo seu pronto regresso. No dia seguinte, Barba-Azul pediu-lhe as chaves e ela deu-lhas com mão trêmula. 
                     - Por que é que a chave do gabinete não vem junta com estas? perguntou-lhe. 
                     - Deixei-a lá em cima na minha mesa, respondeu ela. 
                     - Não se esqueça de me devolvê-la logo, disse Barba-Azul. 
                     Depois de muitas delongas, foi buscar a chave. 
                     - Por que é que tem sangues nesta chave? 
                     - Não sei, respondeu a pobre mulher, mais pálida que a morte.
                     - Não sabe? retorquiu Barba-Azul, pois eu sei. A senhora quis entrar no gabinete. Pois então, minha senhora, também ira tomar o seu lugar junto das damas  que viu.  
                     Ela lançou-se aos pés do marido, chorando e pedindo-lhe perdão, com todos os sinais de verdadeiro arrependimento de lhe não ter obedecido. Enterneceria um rochedo, bela e aflita como estava; mas Barba-Azul tinha o coração mais duro do que o rochedo. 
                      - Cumpre morrer, senhora, lhe disse, e imediatamente.
                      - Pois se é preciso morrer, respondeu-lhe ela, olhando com os olhos banhados em lágrimas, conceda-me tempo para fazer minhas orações. 
                      - Dou-lhe meio quarto de hora, retorquiu Barba-Azul, nem mais um momento. 
                      Quando ela se achou só, chamou a irmã e disse-lhe : 
                      - Minha irmã Ana, sobe, peço-te, ao alto da torre para ver se meus irmãos vem; eles; eles me prometeram vir visitar-me hoje e, se os vires faz sinal para que venham depressa. 
                      Ana subiu para o alto da torre e a pobre senhora aflita gritava-lhe a todo o momento: 
                      - Ana, minha irmã Ana, não os ver vindos.
                      E a irmã respondia-lhe: 
                      - Só vejo o brilho do sol e o verde da erva. 
                      Entretanto, barba-Azul, com um cutelo na mão, gritava com toda a força: 
                      - Desse depressa ou eu vou lá em cima! 
                      - Só um momento, por piedade, respondia-lhe a mulher. 
                      E logo ela dizia baixinho: 
                       - Ana minha irmão Ana, não vez se eles já estão vindo? 
                       Ana respondia: 
                       - Só vejo o brilho do sol e o verde da erva.
                       - Desce depressa, gritava Barba-Azul, ou eu subo até aí.
                       - Já vou, respondeu a mulher e depois gritou: 
                       - Ana, minha irmã Ana, não vês vir ninguém? 
                       - Vejo, respondeu Ana, uma grande poeirada que vem daquele lado.
                       - São meus irmãos? 
                       - Ah! não, minha irmã, é um rebanho de carneiros. 
                       - E então, não desses?  gritava o Barba-Azul. 
                       - Só mais um momento, respondeu a mulher. E voltava a perguntar: 
                       - Ana, minha irmã Ana, não vês vir ninguém?
                       - Vejo, respondeu Ana, dois cavaleiros que vem daquele lado, mas estão ainda muito longe. 
                        - Deus seja louvado, gritou ela, são meus irmãos. 
                        - Estou fazendo os sinais que disse para que se apressem. 
                        Barba-Azul gritou de tal forma que todo o castelo estremeceu. A pobre mulher desceu e foi lançar-se aos pés dele toda chorosa e toda desgrenhada. 
                         - Isso não lhe serve de nada, disse Barba-Azul, é preciso morrer. 
                         Depois agarrando-a, com uma das mãos, pelos cabelos e com a outra erguendo no ar o cutelo, ia degolá-la. A pobre mulher voltando-se para ele, e olhando-o com olhos mortiços, pediu-lhe um momento para se recolher. 
                         - Não, não, disse-lhe ele, recomenda-te bem a Deus; e ergueu o braço... Neste momento, bateram tão fortemente à porta que Barba-Azul deteve-se espavorido. 
                         Abriu-se e viu-se então dois cavalheiros que, de espada  desembainhada, correram diretos a Barba-Azul. Reconheceu que eram os dois irmãos da mulher, um dragão e outro mosqueteiro, de sorte que quis fugir para salvar-se; Mas os dois irmãos perseguiram-no de tão perto, que o conseguiram agarrar no momento em que ia descer a escadaria. Atravessaram-lhe o corpo com uma espada e deixaram-no morto. A pobre mulher estava quase tão morta como o marido, não teve forças para se levantar e abraçar os irmãos. 
                         Depois, viu-se que Barba-Azul não tinha herdeiros e que, portanto, agora a mulher era senhora de todas as riquezas. Empregou uma parte para o casamento de Ana com um gentil homem, por quem era amada ha muito tempo; outra parte para comprar os lugares de capitão para seus irmãos e o resto para ela se casar com um honrado homem, que lhe fez esquecer os maus dias que tinha passado com Barba-Azul.
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                         BREVE BIOGRAFIA de Carlos Perrault
                         Carlos Perrault, escritor francês, nasceu em Paris a 12 de Janeiro de 1628 e morreu na mesma cidade a 16 de maio de 1703. A sua fama literária é devida a "Les hommes ilistres qui ont paru en France pendante ce siécle ", 1606 - 1701: e "Les Contes de ma mere l'oye", 1697. Escreveu 18 histórias: "Cinderela", "barba Azul", Chapeuzinho Vermelho, etc; eram histórias, sem dúvida, conhecidas muito antes do nascimento de Perrault, mas ele deu-lhes sua forma francesa de expressão simples e duradoura. Geralmente são conhecidas por "Les Contes des Fées". 
Nicéas Romeo Zanchett 
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