OS CONTOS DE VICTOR HUGO
Nicéas Romeo Zanchett
A BOA PULGA E O MAU REI
O grande poeta francês Victor Hugo tinha um imensa afeição pelas crianças. Uma de suas obras mais notáveis foi "A arte de ser avô"; é uma prova de amor pela netinha Joanna, uma simpática menina, muito esperta, de quem o famoso avô era um humilde escravo.
Em certa ocasião um senador contou que foi até sua casa para consultá-lo; chegando lá encontrou o poeta andando de quatro pelo quarto, servindo de cavalinho para os netos. O político estranhou, mas Victor foi logo dizendo: - "eu sou mesmo um escravo de meus netos."
Sua neta Joanna sempre pedia que lhe contasse histórias. - Vovô, sente aqui e nos conte uma história.
- É muito difícil inventar histórias, replicou o avô.
- Não para ti, disse Joanna, acariciando-o. Escreves muitas histórias, mas quero que nos conte uma que ainda não esteja nos teus livros, avozinho.
Os netos Jorge e Joanna sentaram-se aos pés do avô e ele começou a narrar o maravilhoso conto, "a boa pulga e o mau rei".
A BOA PULGA E O MAU REI
Era uma vez um rei muito mau que maltratava os seus súditos, mas estes não podiam destroná-lo porque possuía um grande exército para sua defesa.
Todas as manhãs se levantava com humor pior do que o da noite anterior, até que isso chegou aos ouvidos duma pulga muito amável e de muito bons sentimentos. Nem todas as pulgas são assim, mas aquela tinha sido muito bem educada; ela só mordia as pessoas quando tinha muita fome, e mesmo assim tinha todo o cuidado para não lhe fazer mal.
"Vai ser difícil fazer este rei entrar no bom caminho", disse consigo mesma a pulga; "contudo, vou tentar".
Naquela noite, quando o rei começou a conciliar tranquilamente o sono, sentiu qualquer coisa como uma picada de alfinete.
- Oh! o que é isto? - gritou o rei.
- Uma pulga que quer castigá-lo.
- Uma pulga? Vamos ver. Espera um pouco.
E levantando-se furioso da cama, o rei sacudiu lençóis e cobertores, mas não pode encontrar a pulga, pela simples razão que que ela havia se escondido na barba do monarca.
Pensando tê-la afugentado, o rei tornou a deitar-se, mas tão logo deitou a cabeça no travesseiro, a pulga deu um salto e o mordeu de novo.
- Como se atreve a morder-me outra vez abominável inseto?, exclamou. Não tem mais do que o tamanho de um grão de areia e atacas o mais poderoso rei da terra?
A pulga, sem se incomodar sequer o respondeu e continuou a mordê-lo . Durante toda a noite não pode o rei fechar os olhos, e no dia seguinte levantou-se de péssimo humor. Mandou fazer uma limpeza extraordinária e vinte sábios, armados com potentíssimos microscópios, examinaram cuidadosamente o quarto e tudo o que nele entrava. Mas não acharam a pulga, porque ela tinha se escondido de baixo da dobra da roupa que o rei vestia. Naquela noite o monarca, precisando de descanso, deitou-se muito cedo.
- O que é isso, gritou, ao sentir uma terrível picada.
- A pulga.
- O que queres?
- Que me obedeças e faças feliz o teu povo.
- Onde estão os meus soldados? Onde estão os meus generais, os meus ministros? gritou o rei.
Todos entraram rapidamente no aposento real. Fizeram a cama em pedaços, rasgaram o papel das paredes, arrancaram o piso, e, diante de tudo isto, a pulga estava muito bem escondidinha na cabeleira do rei. Dirigiu-se este para outro aposento, no qual tratou de dormir, mas a pulga deu outro salto, começou a mordê-lo e não o deixou descansar em toda a noite. No dia seguinte o rei, furioso, fez publicar um edital contra as pulgas, no qual ordenava a seu povo que exterminasse a todas com a maior brevidade possível. Mas nem assim se livrou do pequenino inseto, que o perseguia incessantemente. O seu próprio corpo ficou manchado dos beliscões e pancadas que em si mesma dava nos esforços vãos que fazia para afastar a sua implacável inimiga. Depois de passar noites sem dormir, começou a ficar fraco e pálido, e com certeza teria morrido, se finalmente não tivesse decidido obedecer à pulga.
- Entrego-me, disse em tom lastimoso o grande monarca, quando a pulga tornou a mordê-lo.
- Farei tudo o que quiseres. Fala.
- Deve fazer feliz o teu povo, disse a pulga.
- Que hei de fazer para conseguir?, respondeu o rei.
- Tens que abandonar imediatamente este país.
- Posso levar comigo ao menos uma parte dos meus tesouros?
- Não!. exclamou a pulga.
Mas, não querendo ser demasiadamente severa, a pulga permitiu ao malvado rei encher os bolso de ouro antes de se por a caminho. Então o povo constituiu-se em república, governou-se a si mesmo e chegou a ser feliz.
Tanto Joanna como Jorge divertiram-se muito com este alegre conto, porque o vovozinho, imitando o implacável rei, atormentado pela boa pulga, revolvia-se e batia-se com tão cômicos movimentos que as crianças quase morriam de rir.
Satisfeito com o efeito produzido, Victor Hugo ensinou-lhes o maravilhoso conto que se segue.
O CÃO FIEL E O CRUEL MENINO
Era uma vez um cão muito bom, de cujo nome não consigo recordar-me; só sei que era um cão excelente, em toda a extensão da palavra; teria dado qualquer coisa para ser seu amigo. Por desgraça era muito feio e além disso quase nunca se lavava; mas a culpa era do dono, um mocinho rebelde que costumava maltratá-lo.
Um dia, este perverso mocinho foi para aborda dum lago, bastante profundo, para fazer uma brincadeira que certamente conhecem. O mocinho tinha um punhado de pedras e atirava-as à superfície do lago, procurando que tocassem na água, saltando três ou quatro vezes. O cão estava sentado à distância, observando-o. De repente o mocinho escorregou pela borda muscosa do lago e caiu na água. Já estava quase a afogar-se, quando o animal, saltando atras dele, agarrou-o pela roupa e o salvou, conduzindo-o para terra. Mas aquele perverso, ficou zangado porque o cão, ao tirá-lo do lago, tinha lhe rasgado um pouco a roupa; em seguida atirou o cãozinho novamente à água em busca do seu chapéu, e enquanto ele nadava começou a atirar-lhe pedras, e por pouco não fez com que o pobre animal se afogasse.
Um lobo faminto e feroz viu o que acabava de acontece, e, imaginando que o pobre cão ficaria alegre vendo-se livre dum dono tão mau e ingrato, aproximou-se, sem fazer barulho, do cão e murmurou-lhe o ouvido:
- Deixa que eu vou devorá-lo.
Mas o cão fingiu ser surdo daquele ouvido, e o lobo, já cansado de falar, atirou-se ao mocinho. O fiel cão, porém, arremeteu-se contra o lobo, e depois de encarniçada luta, conseguiu afugentá-lo. Entretanto o mau dono tinha se escondido atras de uma árvore e armara-se com um pau. O bom animal correu para seu dono, alegríssimo pela vitória, mas o mocinho, com voz irada, exclamou:
- Para trás, bicho feio! Por que me amedrontaste lutando daquela maneira com aquele horrível animal? Bruto, brigão!
Mal acabou de dizer estas palavras, desatou a dar pauladas no infeliz animal e acabou por expulsá-lo a pedradas.
Mas o pobre cão continuou a seguir fielmente o seu malvado dono, que, sem nunca se cansar de cometer más ações, entrou num pomar para roubar maçãs. Bem sabia que o dono do pomar era um homem que não tinha contemplação alguma com ladrões; mas imaginava que naquela ocasião estaria o dono ausente, talvez no mercado. Começou a apanhar maçãs e a atirar ao pobre cão as que encontrava verdes. De repente apareceu o homem, e, desesperado, foi até ele armado com uma espingarda. Apontou-lhe com raiva, e disse-lhe:
- Ou me paga imediatamente as maçãs ou disparo.
O perverso mocinho não tinha nem uma miserável moeda nos bolsos. Vendo-se perdido, começou a gritar:
- Cachorro, cachorro, venha até mim!
Os cães não podem trepar em árvores, mas aquele podia. Saltou para o tronco como se fosse de borracha, e segurando-se aos ramos com os dentes conseguiu chegar ao pé do dono protegendo-o com o próprio corpo, precisamente no momento em que o dono do pomar disparava a arma.
A bala penetrou o corpo do bravo e nobre animal. O pobrezinho voltou seus olhos moribundos para o mocinho, como implorando auxílio, mas este já ia muito longe, correndo como bom ladrão que era. E assim morreu o fiel cão, vitima de sua inquebrantável lealdade.
- O que foi feito desse menino tão malvado? perguntou Joanna, nervosa de indignação ao ouvir contar os maus tratos que o cãozinho sofrera.
- Continuou a ser mau, respondeu o avô, e pagou muito caro, porque ninguém nunca o estimou.
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Essas pequenas e geniais histórias que Victor Hugo contava a seus netos, mais tarde passaram a fazer parte das suas publicações, e assim chegaram até nós.
Nicéas Romeo Zanchett
LEIA TAMBÉM >>> CONTOS E FÁBULAS DO ROMEO
Gostei muito do primeiro conto. Muito pertinente a momento em que vivemos no Brasil.
ResponderExcluirAbraços
Maria Esther
Corrigindo : ... ao momento em que vivemos no Brasil.
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