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domingo, 23 de junho de 2013

A AVAREZA - Por Rodrigues Lobo



A VAREZA 
Por Rodrigues Lobo 
                   No mesmo tempo em que os amigos se juntaram para o seu costumeiro exercício, se apeava a prior no patio de Leonardo; que o desejo que lhe causara a noite do dia dantes o fez tornar mais cedo da cidade. Foi recebido  com alegria, e depois de lhe perguntarem do bom sucesso de sua jornada, lhe disse Solino: 
                   - Agora vejo que roubou a ventura e empresa daquela  peregrina ao sr. D.Julio; pois a deu a quem a deixa de ver por nós ouvir. 
                   - Antes vereis, respondeu o prior, quão poderoso é o ouro, que até para ouvir falar nela deixo a própria casa, e nela a vista de tão estremada formosura. 
                   - Não sois vós, acudiu Leonardo, o primeiro que a deixastes por ouro, nem usais nesta ocasião como avarento, pois que vindes com esse título de cobiça enriquecer  a todos, e a esta casa. 
                   - Vós, respondeu ele, me endividais para me empobrecer com a mercê e cortesia que me fazeis; de maneira que sempre o meu erro é dourado para contentar os cobiçosos, quando pareça a Solino culpa deixar a vista da minha hospeda pelo interesse da vossa conversação. 
                   - Não é só ele o que vos acusa, disse D. Julio, antes eu de a vós deixardes me queixo, ainda que de a acompanhardes tinha ciumes.  
                   - Só esses faltavam, tornou Solino, para a conversação ficar de ouro e de azul; mas se deste se batera moeda, nenhum de nós se queixara de pobre, porque a dos comprimentos é a mais corrente de todas. Porque o maior  mal que o ávaro faz ao ouro é impedir-lhe a corrente com a prisão em que o encerra, podendo com ele até às prisões fazer agradáveis e formosas, que para isso imagino que se inventaram as cadeias e grilhões de ouro, que dele servem para ornato, e dos outros metais para castigo. 
                   - Não me descontenta essa razão, disse Leonardo, por que esse ouro quando sai da mina, antes de o pôr em seus quilates , chamam os artífices ouro bruto, quanto com mais razão merece este nome o que o avarento tem escondido e fechado? E a este propósito me cabe contar uma história que li esta manhã; e se for sobejo, pelo que calei a noite passada, se pode descontar o que eu agora disser. 
                   "Houve em Itália, um um dos mais conhecidos lugares dela, um honrado pai de família, nobilíssimo por geração, rico de bens procedido de herança e nobreza antiga de seus antepassados, dotado de muitas partes, e graças da natureza, e tão liberal do que possuía, que mais parecia dispenseiro de riquezas, que carcereiro delas. Teve este em sua mocidade, um filho tão industrioso e esperto nos negócios de mercancia, que ajuntou em poucos anos grande cópia de dinheiro, o qual ele guardava com tão solícito cuidado, como costumam os que com cobiça e trabalhos o adquiriram; era notável espanto aos naturais verem em um velho a largueza e liberalidade do mancebo; e em o filho a avareza e tenacidade de velho. O pai, que o via responder tão mal às suas inclinações, e que já com a idade  e continuação de gastar largo, estava menos rico, muitas as vezes lhe dizia e aconselhava com brandura que conservasse, com o que ganhara, a honra que tinha de seus passados; e não degenerasse deles, por seguir a vileza do interesse; que usasse das riquezas como nobre, e favorecesse a velhice de quem o criara, e honrasse aos pequenos irmãos que tinha; que fosse proveitoso aos amigos e parentes; benigno aos pobres e se não cativasse ao trabalho de entesourar riquezas sem fruto. mas como falar a um morto, e aconselhar a um avarento é cuidado vão, nenhum efeito faziam os paternos rógos  em sua má natureza.  Sucedeu que o senado daquela república por a nobreza e pessoa do mancebo, e pela indústria e sagacidade que mostrava, o elegeram em companhia de outros para ir com uma embaixada a Roma  ao Sumo Pontífice. Depois de sua partida, vendo o pai ocasião ao que havia muito desejava, mandou secretamente fazer chaves falsas, com que  secretamente entrou na câmara do filho; e abriu os cofres em que aquele inútil tesouro  estava depositado; e com a brevidade que o desejo lhe pedia, vestiu a si, a sua mulher e filhos custosamente; deu libré a seus criados; comprou ricas armações e baixelas; encheu a estrebaria de cavalos formosos; fez esmolas a muitos pobres; acudiu em ocasiões a parentes e amigos necessitados; dispende aquela prata e ouro que o filho com muitas vigílias ajuntara da maneira em que ele, quando florescia em riquezas usava delas. Gastando o dinheiro encheu os sacos em que antes  estava, de miúdos seixos e areia; e posto tudo na mesma ordem em que o filho o deixara, tornou a fechar os cofres e as chaves como dantes. Tornou depois o filho da sua embaixada; e os pequenos irmãos o foram esperar à entrada da cidade vestidos custosamente, e com o magnífico aparato de que então usavam. Vendo-se o irmão rodeado deles ficou confuso; e enleado lhes perguntou logo donde  houveram tão ricos vestidos, e tão formosos cavalos. Ao que eles com uma simplicidade inocente responderam  que seu pai e senhor vivia com diferente largueza da que dantes tinha; eque outros trajes e cavalos de maior preço  lhe ficavam. Entrando depois em casa de seu pai, nem a ela, nem a ele, conhecia, pelo diferente estado em que a deixara; e como esta mudança se lhe não aquietava o coração, foi-se com muita pressa aonde o tinha posto. Entrou na sua câmara, abriu os cofres; e vendo que os sacos estavam cheios, e de maneira que ele os deixara, se aquietou, porque não dava lugar a mais vagarosa experiência a pressa com que os companheiros o chamavam, e o senado o esperava.  Depois que deu fim àquela obrigação, que a ele não pareceu que fosse tão custosa, fechando-se devagar no seu aposento, abriu as arcas e os sacos, em que lhe parecia que estava a sua bem aventurança; e vendo o engano da areia e seixos que dentro tinham, começou a  gritar com grandes lamentações e brados, a que primeiro que todos acudiu o generoso velho, perguntando-lhe que tinha? de que se queixava? e quem o ofendera?
                  - Ai de mim, disse ele, que me roubaram as riquezas que com tantos trabalhos e em tão largo discurso de anos tinha granjeadas.
                  - Como é possível que tenham roubado, respondeu o pai, se eu vejo esse cofres e sacos cheios, que parece que não podiam tirar nada deles, e nem eles levarem mais? 
                  - Ai de mim, tornou o filho, que o de que eles estão cheios não é de ouro e prata com que os deixei; que não tem agora mais que pedras e areia sem proveito. 
                  A isso respondeu o generoso pai, sem no rosto fazer mudança: 
                  - Ah! engraçado filho! que importava para ti que estes sacos estivessem cheios de ouro ou de areia grossa, se tua avareza te não deixará fazer nas obras diferença dela?
                  Cessaram os brados, mas já com o sentimento de filho com esta resposta, que a mim me parece digna de ser contada entre as mais celebres do mundo.  
                  - Eu a tenho por tal, disse o prior, e a história por maravilhosa para o nosso intento; e andou muito bem o pai a cumprir em vida o testamento do filho; porque, como disse Pub. Mimio, nenhuma coisa o ávaro faz boa, senão quando morre, porque deixa o que tem a quem possa usar dele. 
                   E o mesmo, disse Feliciano, escreveu que para ninguém o avarento é bom; e para si pior que pata todos; pois não dispende nem se aproveita; e neste sentido me parece maravilhosa a alegoria daquela engenhosa fábula de Midas, que, pedindo aos deuses, como cobiçoso, que tudo o que tocasse se lhe convertesse em ouro, perecia de fome na grande abundância do que pedira. E quando a necessidade o fez mudar a petição forçado do mal que como bem procurara, lhe mandaram que fosse lavar ao rio Pactolo, que fez corrente do que ele queria fazer estante, pondo em suas douradas areias, para comunicar a todos o que Midas só para si queria ter usurpado. - Bem se representou em Midas, acrescentou Píndaro  um cobiçoso no pedir e em se não aproveitar; que por isso disse Sêneca   que mais facilmente se atreveria a alcançar da fortuna que desse, que de um cobiçoso que não pedisse.

NOTA: Procurei manter a mesma forma de expressão (português de Lisboa da época), sempre considerando que trata-se de uma obra do século XVI de Rodrigues Lobo. 
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                 BREVE BIOGRAFIA DE  Rodrigues Lobo.
                 Francisco Rodrigues Lobo, que se supõe ter nascido em Leiria, sem que se saiba a data e sem que se conheça qualquer outra circunstância, viveu sempre naquela cidade, de onde saiu apenas algumas vezes em direção à Lisboa. Uma dessas vezes, embarcando em Santarém para descer o Rio Tejo naufragou por causa de um temporal e pereceu no rio. O seu cadáver foi arrojado á praia e sepultado em uma capela denominada das Queimadas no Convento de S.Francisco que se incendiou a 30 de Novembro de 1741. Julga-se que ete desastre tenha sucedido depois de 1623, ano em que o autor ainda vivia, pois ele publicou uma das suas obras em espanhol "La jornada de la majestad Catholica del-rey Filippe III hizo al reyno de Portugal", etc. Publicou mais: "Romances", 1596; "As Eclogas", 1605; "O Pastor Peregrino", 1608; "O Condestabre de Portugal Don Nuno Alvarez Pereira", 1610; "Côrte na Aldeia e Noites de Inverno", 1619. Algumas destas obras tiveram depois outras edições, e em 1774 publicaram-se 4 volumes das "Obras Poéticas e Pastoris de Francisco Rodrigues Lobo".  Este escritor é considerado um dos clássicos portugueses de primeira ordem, no tocante à correção e energia  da linguagem. No século XVII foi o lírico mais completo e apaixonado, e inimitável na forma da serranilha, "a que outro canto que ao som do rabil - cantavam os serranos."
Nicéas Romeo Zanchett  
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                     MORAL DA HISTÓRIA: Muitos são os grandes acumuladores de fortuna. Entre eles podemos citar Cornélio Wanderbit (imperador das ferrovias); Beto Rockfeller (rei do petróleo);  Andy Carnegie, J.P.Morgam, John Ford e atualmente Bill Gates. Os primeiros foram os grandes construtores da indústria americana; o último, que dispensa comentários, é o exemplo de empreendedor dos nossos dias. 
                     Uma coisa interessante a se observar é que, somente após a morte do primeiro grande empreendedor é que todos os demais perceberam que também eram mortais. A partir de então, iniciou-se entre eles, uma fase de filantropia que mais parecia uma nova grande competição. Antes competiam para ver quem acumularia mais dinheiro; depois passaram a competir para ver quem teria coragem de distribuir mais. Em dinheiro do hoje (cálculos atualizados), Rockfeller teria distribuído cerca de cem bilhões de dólares. O Bill Gates tem feito grandes filantropias através da Fundação que leva seu nome. 
                       Na verdade precisamos de muito pouco para viver feliz. O excesso de dinheiro acumulado por alguns é que causa a falta para outros que querem apenas viver modestamente. Quem acumula grande fortuna deixa de ser seu proprietário e passa a ser seu escravo. Isso gera enorme infelicidade. 
Nicéas Romeo Zanchett 

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